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A Unidade de Terapia Intensiva é um setor do hospital onde estão concentrados os recursos humanos e tecnológicos adequados para o atendimento aos pacientes que exigem cuidados clínicos constantes, especializados e ininterruptos.
A UTI objetiva restabelecer, nos doentes graves, os sistemas orgânicos alterados por patologias que motivaram a internação. A perspectiva é a compensação ou o restabelecimento dos parâmetros fisiológicos a níveis aceitáveis.
UTIs são locais da vivência de situações limites entre a vida e a morte (“da porta da morte à incubadora da vida”- frase de uma mãe de prematuro) e necessitam de recursos técnicos e humanos especializados para sua recuperação. É um lugar isolado, onde o tempo é sincronizado pelas ações dos profissionais.
Os fios, tubos e as máquinas são muitas, os ruídos são intensos, os odores são diversos. Na maioria delas, as janelas são fechadas, a luz é artificial, a temperatura é mantida por ar-condicionado, não há banheiro e chuveiro para o paciente. Os procedimentos são assustadores e invasivos. A UTI é apontada como um lugar “frio, impessoal e mecanizado”. Nesse espaço, o doente perde a identidade, perde as roupas, fica vulnerável, submisso e dependente.
Se a UTI favorece as possibilidades de recuperação orgânica, as condições ambientais podem levar a descompensações psicológicas e psiquiátricas. São mobilizados sentimentos extremos como: o medo, ansiedade, agitação psicomotora, depressão, anorexia, insônia. São exacerbados: o desamparo, a desvinculação, a fragilidade, a insegurança e a impotência.
A psicologia hospitalar ou da saúde é uma profissão que tem como foco os aspectos emocionais relacionados ao adoecimento e hospitalização de uma pessoa, bem como os fatores familiares e sociais que interferem na entrada, permanência e alta hospitalar. Ela visa minimizar o sofrimento psíquico do paciente em relação ao adoecimento devendo intervir no tripé paciente/família, equipe e instituição.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia enviou, em 17 de outubro de 1992, ao Ministério do Trabalho algumas contribuições para integrar o catálogo brasileiro de ocupações. Nele consta diversas atribuições para a profissão, das quais serão citadas as envolvidas nos aspectos clínicos exigidos pelo ambiente de cuidados intensivos neonatais, pediátricos e adultos.
Como profissão, cabe ao psicólogo realizar avaliação e diagnóstico psicológico, a partir de entrevistas, observação, testes e dinâmica de grupo, com vistas à prevenção e tratamento de problemas psíquicos. O atendimento psicoterapêutico pode ser individual ou em grupo. Precisa ser adequado às faixas etárias, às instituições de prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições formais e informais.
Na UTI, como ambiente fechado e marcado por uma intensidade de ações e sentimentos, o trabalho do psicólogo será conjunto e focado pela atuação em equipe. Nesse espaço, ele terá a função de observação, de escuta ativa, interlocução e intervenção visando restabelecer o equilíbrio terapêutico nas relações entre os pacientes, familiares e profissionais.
Segundo Di Biaggi (2002), as ações do psicólogo na UTI implicam agir terapeuticamente na crise emergente na internação e na permanência da pessoa na UTI, avaliando a condição psíquica e orientando-a durante esse percurso.
O profissional pode facilitar a comunicação não verbal dos pacientes intubados, utilizando técnicas apropriadas e redutoras do estresse. Ele dará voz e demarcará as sensações, sentimentos, vivências, situações conflituosas em relação ao ambiente e ao contexto familiar e estimulando recursos internos do paciente para enfrentar a situação como temporária.
Pode evidenciar as mudanças projetadas para a vida do doente, ofertando suporte psicológico para ele e família, além de estimular a boa comunicação com a equipe. Ser suporte para pacientes, familiares e equipe nos momentos críticos, como morte súbita, protocolos de morte encefálica, comas, amputações, sequelas diversas após acidentes.
Ele está capacitado para observar o despertar do paciente e proporcionar intervenções visando minimizar reações emocionais atípicas; dirimir dúvidas, conceitos falsos e duvidosos sobre a doença ou condição clínica. Cabe-lhe, ainda, promover a saúde mental, estimular a equipe a perceber suas dificuldades em lidar com situações críticas, atuando em momentos paralisantes ou de grande angústia.
O psicólogo acolhe e auxilia na reflexão sobre a assistência, registrando suas observações, históricos e intervenções com o enfermo no prontuário, de modo a auxiliar a equipe. Essas notas devem seguir os preceitos do Código de Ética da Psicologia. Importante demarcar que esses registros de dados serão recursos para orientar a equipe e também auxiliará estudos e pesquisas posteriores. Boas anotações ajudam a melhorar a qualidade e segurança na assistência e servem para a implementação de protocolos assistenciais.
Na UTI, lugar inóspito, de decisões difíceis e intensas, um profissional da psicologia, bem instrumentalizado, pode colaborar para as transformações humanas e sociais de forma que as metas e objetivos da equipe sejam alcançados. Seu trabalho na equipe apontará para os preceitos da dignidade humana e singularidade do sujeito.
Atuar em cuidados intensivos vai exigir do profissional da psicologia aprimoramento contínuo de competências e habilidades, que Tonetto (2007) bem descreveu e deve ser lido por todos da profissão.
No dia 27 de agosto, comemora-se o “Dia do Psicólogo”. Profissão jovem e com um longo percurso de estudos e de estabelecimento de evidências científicas. Parabéns a todos os profissionais em atuação nas UTIs do Brasil! Essa é a saudação da Coordenação do Departamento de Psicologia da SOMITI.
Por Tarcia Regina Coura Dutra, Coordenadora do Departamento de Psicologia da SOMITI desde 2016
REFERÊNCIAS
- ALMENDRA, Fernanda SR et al. Psicologia em Unidade de Terapia Intensiva: intervenções em situações de urgência subjetiva. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.
- SANTOS, Liliane C; MIRANDA, Eunice MF; NOGUEIRA, Eder L. Psicologia, Saúde e Hospital: contribuiuções para a prática profissional. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2005.
- TONETTO, Aline M.; GOMES, William B.. Competências e habilidades necessárias à prática psicológica hospitalar. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , 59, n. 1, jun. 2007. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1809-52672007000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 11 nov. 2014.
- SOUZA, Raquel P. (Org.). Manual – Rotinas de humanização em Medicina Intensiva, 2ª edição-São Paulo: Editora Atheneu, 2010.
- KNOBEL, Elias. Psicologia e Humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu, 2008.
- Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil. Brasília, 2008. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf>. Acesso em: 17 julho 2014.
- CRP-MG. Guia para o Exercício profissional Psicologia. XII Plenario, 2007.
- DI BIAGGI, T. M. Relação Médico-família em UTI: a visão do médico intensivista. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002.
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